Uma gaveta cheia de poemas

Quando ficamos como assim, a ouvirmo-nos e a falarmo-nos, somos capazes de descobrir muito mais do que todos eles, obedientes e assustados.
Como aqui, assim, estas palavras a levarem esta voz fazem-nos saber que estamos juntos, mesmo quando não há uma sala com estas paredes e só conseguimos duvidar e duvidar deste verdade.
Estamos juntos, mesmo quando nos separamos pelas ruas e, dentro de nós, somos um exército de segredos, mesmo quando nos escondemos do mundo que desejámos e que desejamos indescontroladamente, desincomparavelmente, como um silêncio que mente e mente e não mente.
Estamos juntos no silêncio, apesar desta voz carregada por estas palavras, apesar das formas todas dos nossos corpos e dos desenhos que somos capazes de fazer com o olhar. As nossas mãos procuram-se à noite, dentro das luzes apagadas. As nossas mãos, nossas, encontram-se agora e são invisíveis. Sabemos que os nossos dedos tocaram outros dedos, tocaram nomes e cordas de guitarra. Sabemos quem somos.
Somos muitos e sabemo-nos reconhecer. Assim, como aqui, esperamos a madrugada, sabendo que fomos nós, juntos, que a construímos. Esperamos muito mais que a madrugada.
Temos a força de para sempre, aprendemos a renúncia de nunca mais. A disciplina está enterrada naquilo que não é medo, é força, e que nos protege, que nos protegemos a nós próprios.
Esta voz, se eles conseguirem entender esta voz, mudaremos de língua. Esta voz é esta sala. Esta voz são os caminhos que fizemos à margem de cidades e de argumentos razoáveis. As palavras são pedras. As certezas perseguiram-nos e abrandámos para que nos alcançassem.
Agora, controlamos pontes e quotidianos. Agora, esta voz dirige-se ao teu rosto.
Nada nos é impossível. Nem mesmo o impossível nos é impossível. Explicamo-nos uns aos outros e, sem que ninguém nos perturbe, encontramo-nos sempre, como agora, assim, como agora, aqui, assim.

José Luís Peixoto, em Gaveta de Papéis (2008)

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